Ponho-me a pensar de onde irrompem as minhas crónicas. Da inspiração? Duvido. Da minha memória? Uma parte. Da labuta em peneirar areias reminiscentes para encontrar pepitas de emoções? Deparo-me com alguma certeza. Depois é tentar grafar a precariedade da convicção com que vejo o mundo e, para além do meu desejo de partilha, encontrar alguém cuja paciência seja generosa comigo.
Porém, no caso da presente crónica, identifico perfeitamente o onde e o porquê. Nasceu em pleno cromeleque do Xerez, graças a uma observação do meu caríssimo Francisco Mondragão sobre o que é o luxo em pleno século XXI.
Como sou mais mundano, gozei logo com a situação, ao lembrar-me de alguns artistas de hip-hop, esses do Gangsta Rap, com as suas correntes, dentes (e pistolas) de ouro, encostados a carros de grande cilindrada e rodeados ninfas silicónicas com biquínis proporcionais ao siso.
Cada um que se adorne com o que queira (e possa), desde que não faça mal a ninguém por isso. Eu confesso não ser grande fã do dourado, nem em metais nobres nem em pechisbeque. Gosto sim de um sol aloirado, como o daquele domingo, rico em vitamina D, que nos obrigava a proteger o cocuruto da cabeça por ser atrevido em resfriados bruscos de amplitudes térmicas.
Se procurarmos na infopédia o que significa luxo, vendemos as nossas almas a definições como:
1. Ostentação da riqueza, magnificência, gala;
2. Fausto; sumptuosidade; pompa;
3. Qualquer bem ou objeto de custo elevado e que não é indispensável.
É fácil entender expressões como dar-se ao luxo, permitir-se um capricho ou estravagância de um qualquer material luxuoso devido à sua excelente qualidade. Obviamente que o peso das expressões nos faz fazer contas e contemplar o interior das nossas carteiras. Eu pelo menos sou assim. Fui educado a ter unicamente os luxos que a minha carteira pode pagar e, de preferência, em saldos. Por isso, mesmo que o meu ego quisesse, nunca o meu corpo (entenda-se trabalho!) poderia passar cheques para filigranas de rapper, biquínis de diamante e altas gamas a aquecerem, ainda mais, o ambiente global.
No entanto, os luxos a que o Francisco se referia não estavam contaminados com o vírus social de possuir mais e mais. Tinham a ver com o presente que ali estávamos a viver, com o Alqueva no horizonte e Monsaraz a cuidar a nossa retaguarda.
Ambos, no seio de um grupo madrugador (decidido a tentar interpretar a paisagem que os acolhia), desfrutámos de um momento único ao assistir a violinista Cecilia Bercovich interpretar quatro pequenas peças acompanhada, unicamente, pelo vento alentejano.
O auditório e a acústica foram irrepetíveis. Assim como os meus filhos, e outra pequenota, foram as únicas crianças expostas às flores de fevereiro e ao som de um violino numa paisagem que, hoje, é parte da sua infância e que só o futuro decretará se pertencerá, em exclusivo, à geografia física ou também à dos afectos.
Este luxo devemo-lo (grátis, diga-se de passagem) à organização do festival Terras Sem Sombra, na sua 15ª edição, promovido pela associação Pedra Angular. Sob o título Sobre a Terra, sobre o Mar – Viagem e Viagens na Música (séculos XV-XXI), e tendo os Estados Unidos da América como país convidado, esta magnificência decorre até dia 7 de julho por terras alentejanas e extremeñas.
Existe a tendência a não valorizar a sombra de uma árvore, quer por comodismo de ar condicionado, quer por ilusão de perenidade da paisagem. A verdade é que desfrutar da sombra generosa destas iniciativas em regiões tendencialmente tórridas e desérticas, como o Alentejo e a Extremadura, é um luxo alheio a recheio de carteiras. É questão de querer e fazer por se pôr à sombra.